quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Explicando os últimos dez anos: Keynes ou Marx – quem está certo?[1]

Michael Roberts

Os últimos dados econômicos das maiores economias capitalistas não são nada bons. A desaceleração global, medida em termos de crescimento real do PIB, está piorando. A primeira leitura acerca do crescimento real do PIB nos EUA, para o primeiro trimestre de 2016, mostrou um aumento anualizado de apenas 0,5%, ou 0,125% no trimestre. Se compararmos o tamanho da economia dos EUA após levar em consideração mudanças dos preços (inflação), com o primeiro trimestre de 2015, então a economia norte-americana está apenas 1,9% maior. Essa é a taxa de expansão mais lenta desde o início de 2014. A economia norte-americana, a melhor dentre as principais economias capitalistas, está ainda se arrastando.


Houve apenas uma dentre as sete maiores economias do mundo (G7), à parte os EUA, que estava crescendo mais de 2% no final de 2015. Foi o Reino Unido. Agora, no primeiro trimestre de 2016, o Reino Unido reportou uma expansão de apenas 0,4%, de modo que a economia britânica ficou maior 2,1% em comparação com o primeiro trimestre de 2015. E a maioria dos analistas estão esperando que a taxa de crescimento caia abaixo de 2% ao ano no presente trimestre (abril a junho).
No primeiro trimestre de 2016, o grupo de economias da Zona do Euro cresceu mais rápido do que os EUA ou o Reino Unido! A área do Euro cresceu 0,55% em comparação com o 0,4% do Reino Unido e apenas 0,125% dos EUA. A região da União Europeia como um todo cresceu 0,5%. Pela primeira vez, o PIB real da Zona do Euro retornou ao seu pico de antes da Grande Recessão – mas três anos depois do Reino Unido e seis anos depois dos EUA! Comparado a este período no ano passado, o PIB real da Zona do Euro é superior em 1,53%. Porém, o crescimento da Zona do Euro também desacelerou de 1,58% ao ano no 3º trimestre de 2015 para 1,55% no 4º trimestre de 2015 e agora 1,53%. Mas é que as economias dos EUA e Reino Unido desaceleraram ainda mais.

Leitores do meu blog saberão ad nauseam que esta taxa de crescimento nas maiores economias é uma indicação de que a economia mundial permanence naquilo que chamo de uma Longa Depressão (Jack Rasmus chama de uma Recessão Épica),  onde a tendência de crescimento real é muito mais baixa do que a media de longo prazo e bem abaixo da taxa de crescimento econômico de antes do início da Grande Recessão em 2008-9. Os últimos números trimestrais para o crescimeneto real do PIB não fazem mais do que confirmar essa tese.
O mainstream é relutante em aceitar esta visão. Não apenas os principais analistas econômicos oficiais como o FMI, a OCDE e a Comissão Europeia, depois de anunciar ainda outro ano de lento crescimento, continuam prevendo uma recuperação para o próximo ano, como a visão consensual é que a desaceleração acabará e o crescimento irá se recuperar.
Por exemplo, o economista keynesiano e ex-economista chefe do Goldman Sachs, Gavyn Davies, agora dirige uma agência de previsões, Fulcrum. Fulcrum e Davies disseram a leitores do Financial Times essa semana que, embora os números do PIB real pareçam ruins, dados do PIB olham para trás, não para frente. E olhando para frente, as coisas estão melhorando. Aparentemente, a atividade global está agora só um pouco abaixo da tendência de crescimento de 3,6% ao ano e a economia mundial “novamente deu um passo atrás na beira da franca recessão”. Então, nada com que se preocupar.
Ademais, tem havido um movimento para descartar a validade da ideia do PIB de modo geral como um indicador de prosperidade ou da saúde da economia capitalista. A revista The Economist apresentou todos os bem-versados argumentos para as fraquezas na medição de uma economia usando o PIB: ele não mede apropriadamente o valor dos serviços financeiros, ou a qualidade dos novos produtos e os ganhos das novas ‘tecnologias disruptivas’ etc.
Muitos desses argumentos podem estar corretos. Mas não é por acaso que a Economist deseja descartar o PIB somente quando ele produz resultados deprimentes para o capitalismo. E o PIB de fato provê um parâmetro razoável para ‘mudança econômica’ no longo prazo, quando não para o ‘bem-estar econômico’, ou seja, o valor e a qualidade de vida para a pessoa comum.
Então, se nós trabalhamos com os dados do PIB que temos em mãos, encontramos confirmação da minha visão de que estamos em uma Longa Depressão. A melhor medida para isso, na minha opinião, é o PIB real (isto é, após a inflação) per capita. O PIB real per capita leva em conta qualquer aumento da população que poderia explicar algum crescimento do PIB só por causa de haver mais pessoas. Isso se aplica a países como o Reino Unido, onde a imigração da Europa tem sido considerável nos últimos dez anos.
Depois de observar os dados, descobri que, entre 1998 e 2006, o crescimento médio anual do PIB real per capita foi muito superior (1,5-2% ao ano) do que entre 2007 até agora (menos de 0,5% ao ano) em todas as principais economias capitalistas avançadas. A mudança foi particularmente acentuada nos EUA, Reino Unido e na Zona do Euro, mas menos no Japão (onde a população tem diminuído). Na Itália, o PIB real per capita tem sido negativo desde 2007 e na França quase zero. Então, por quase dez anos, o crescimento real do PIB tem sido pressionado bem abaixo das médias anteriores.

Em um post recente em seu blog, o economista keynesiano britânico Simon Wren Lewis, hoje conselheiro do Partido Trabalhista de oposição Britânico, levantou a questão: como explicamos os últimos dez anos de crescimento lento ou depressão? (how do we explain the last ten years of slow growth or depression?).
De acordo com Wren-Lewis, a causa da depressão são os efeitos da Grande Recessão e as políticas de austeridade dos governos subsequentemente. A Grande Recessão foi causada pela "falta de demanda", suponho, embora Wren-Lewis não seja claro sobre isso. Mas, sem dúvida, ele concordaria com aquele outro economista keynesiano proeminente, Joseph Stiglitz, mais um “conselheiro” do Partido Trabalhista Britânico, que declarou sem rodeios na época (2009) que "A falta de demanda agregada global é, em certo sentido, um dos problemas fundamentais subjacentes a esta crise. Falta de demanda agregada foi o problema com a Grande Depressão, assim como a falta de demanda agregada é o problema hoje".
Tenho argumentado neste blog que, dizer que a Grande Recessão deveu-se à falta de demanda, é um pouco como dizer que a causa das ruas estarem sendo molhadas hoje é porque hoje chove. Isso não nos diz nada sobre por que está chovendo hoje e/ou o que provoca a chuva. Descrever a grande recessão como falta de demanda é apenas isso, uma descrição, não uma explicação.
Mas Wren-Lewis segue adiante para considerar por que a Grande Recessão se transformou em uma Longa Depressão. Aparentemente, é em parte por causa dos efeitos remanescentes da Grande Recessão, mas principalmente por causa das medidas de "austeridade" de governos que tem prolongado a recessão em vez de aumentar gastos públicos para obter recuperação.
Ele admite que os últimos dez anos não se mostraram como o mainstream pode ter esperado porque, desta vez, por alguma razão, a política monetária falhou. "Aqui é útil recorrer à lição dos manuais acerca de como um grande choque negativo de demanda deve afetar a economia global. Menor demanda reduz a produção e o emprego. Trabalhadores têm salários reduzidos, e as empresas seguem com redução de preços. A queda da inflação leva o banco central a reduzir as taxas de juros reais, o que restaura a demanda, o emprego e a produção à sua tendência pré-recessão".
Mas, desta vez, as taxas de juros foram levadas a zero com pouco efeito: as economias estão no nível próximo a zero (zero-bound), de modo que uma ação mais drástica é necessária. "Nós sabemos por que desta vez foi diferente: a política monetária atingiu o “zero lower bound (ZLB)” e a política fiscal em 2010 foi na direção errada." Esta foi uma conclusão semelhante a que o próprio Keynes chegou quando sua opção pelo easy monetary policy também falhou no início da década de 1930.
Bem, a economia marxista poderia ter dito aos keynesianos que dinheiro fácil não iria resolver (easy money would not do the trick). Mas ela também diria a Wren-Lewis que reverter a austeridade” tampouco irá.
A implicação da posição de Wren-Lewis e de todas as explicações keynesianas acerca dos últimos dez anos é que se os governos nunca tivessem adotado políticas "neoliberais" de austeridade, nunca haveria nenhuma recessão. Mas e se a causa da Grande Recessão e da subsequente Longa Depressão não é a "falta de demanda" como tal ou as políticas "pró-cíclicas" de gastos governamentais (austeridade), mas um colapso do setor capitalista, em especial do investimento capitalista. E que o investimento entrou em colapso porque a lucratividade do setor capitalista caiu, e então a massa de lucros caiu, levando à queda de receitas, emprego e investimento, nessa ordem. Então é a mudança nos lucros que ocasiona mudanças no investimento e na demanda (consumo), e não vice-versa, como os keynesianos argumentam.
Eu apresentei evidências desta causa do ciclo de expansão e crise neste blog em muitas ocasiões. E para citar o mais recente estudo empírico de José Tapia Granados (um complemento deste) "os dados mostram que os lucros param de crescer, entram em estagnação e, em seguida, começam a cair alguns trimestres antes da recessão, quando o investimento e os salários começam a cair". Tapia conclui que "a evidência é avassaladora no sentido que os lucros atingem o pico vários trimestres antes da recessão, enquanto o investimento alcança o pico quase que imediatamente antes da recessão. Então, os lucros se recuperam antes do investimento, como ilustrado pela baixa de investimento que ocorre por volta do final da recessão ou do início da expansão, mas seguindo a baixa do lucro por pelo menos alguns trimestres".
Atualmente, como demonstrei, o crescimento global dos lucros das empresas caiu para perto de zero e nos EUA o lucro das empresas está caindo. Se isso se mantiver, o investimento irá se contrair e as principais economias entrarão em uma nova recessão. De fato, o número mais revelador dos últimos resultados do PIB norte-americano foi o do investimento empresarial (business investment). No primeiro trimestre de 2016, ele caiu 5,9% anualizados, a maior queda trimestral desde o fim da Grande Recessão. Pela primeira vez, o investimento empresarial foi menor do que no mesmo período no ano passado (em 0,4%). E mesmo tendo em conta o investimento em habitação e do governo, o investimento total caiu. A queda no investimento empresarial tem sido principalmente em energia e mineração na medida em que os preços do petróleo desabaram - investimento em energia está 75% mais baixo desde 2014!
O crescimento do consumo pessoal registrou 2,7% face ao ano anterior. Muitos economistas do mainstream argumentam que isso é o que importa em uma economia, porque 70% da economia é consumo. Mas em uma economia capitalista, é o investimento que decide, em particular o investimento empresarial. Se a tendência negativa no investimento empresarial continuar, a economia dos EUA não vai escapar de outra recessão.
A estranha ironia da posição keynesiana e de Wren-Lewis é argumentar que a redução da lucratividade e dos lucros (e, pois, o aumento da fatia salarial) deveria beneficiar a economia capitalista com o aumento do consumo. Wren-Lewis registra o argumento do colega keynesiano Paul Krugman de que altas margens de lucro para as corporações norte-americanas podem ser resultado de renda de monopólio (controle do mercado) e que se conseguirmos mais "concorrência", as margens de lucro cairão para o benefício de todos. Eu tratei do falso argumento do mainstream em um artigo para a revista online Jacobin.
Como Wren-Lewis coloca, se as margens de lucro caírem de volta, isso seria "uma história otimista, porque um estímulo adicional da demanda aumentaria o salário, mas não a inflação de preços, e nós veríamos um rápido crescimento da produtividade do trabalho enquanto as empresas invertessem seu trabalho prévio para substituição de capital".
A conclusão keynesiana é que lucros mais baixos para o capitalismo o farão funcionar melhor, porque haverá mais concorrência e menos monopólio; e menos lucros significa mais salários e, assim, mais demanda. A conclusão marxista é oposta: menor lucratividade e lucros levarão a menor investimento e crescimento da produtividade e a um prolongamento da depressão. Apenas uma grande destruição dos valores de capital em uma crise que restaure a lucratividade criará eventual recuperação em uma economia capitalista.
Com efeito, o que os keynesianos querem ver é um fim às políticas "neoliberais" e sua substituição por aquilo que costumava ser chamado de políticas "social-democratas" de intervenção governamental para gerir a economia capitalista e impulsionar o investimento e a demanda. Com este tipo de ajuda, o capitalismo pode ser restaurado para proporcionar prosperidade para a maioria, como ocorreu na Era Dourada dos anos 1960, quando as políticas keynesianas reinaram de forma absoluta.
Este é o argumento que o keynesiano Brad Delong e seu colega autor Stephen Cohen aduzem em seu novo livro, Concrete Economics Foi também o argumento apresentado por Brad Delong na conferência deste ano da Associação Americana de Economia (ASSA), ao criticar o meu próprio paper sobre A Longa Depressão, argumentos os quais ele ignorou totalmente. 
É um mito (keynesiano) que a breve Era Dourada de rápido crescimento, pleno emprego e baixa desigualdade nas décadas de 1950 e 1960 se deu em razão de políticas econômicas keynesianas. Como tenho mostrado neste blog e em outros lugares, esse breve período de sucesso capitalista (restrito às economias capitalistas avançadas) deveu-se à lucratividade relativamente alta do capital após a guerra mundial e ao fortalecimento relativo do movimento operário em condições de emprego relativamente pleno que forçaram as concessões do capital
O período neoliberal subsequente não foi o resultado de governos de direita  "mudando as regras do jogo", para usar a linguagem de Joseph Stiglitz, mas foi a crise da queda de lucratividade que necessitou de novas políticas e governos reacionários para restaurar os lucros em detrimento da trabalho. Enquanto a lucratividade nas principais economias continua perto dos baixos níveis do pós-guerra, nenhuma gama de políticas monetárias e fiscais keynesianas vai promover uma nova "Era Dourada ".
Brad Delong disse para nós, economistas marxistas, no ASSA, que somos pessimistas “esperando por Godot”, quando o capitalismo pode ser posto para funcionar com a "economia concreta" da social-democracia keynesiana. Bem, os últimos dez anos lançam dúvida sobre esta opinião e os próximos anos constatarão quem está certo.

*Tradução: João Carlos Carvalho da Silva

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